Os Pilares Básicos da Formação Psicanalitica - SPM

A formação psicanalítica está alicerçada sobre três pilares básicos: a análise didática, os seminários teóricos e a supervisão clínica de análises. Freud

Comissão de Etica da SPM

12/28/20238 min read

Considerando o ressurgimento recente e exagerado de cursos que prometem formar “psicanalistas clínicos”, “psicanalistas cristãos” e expedir diplomas de “bacharel em psicanálise”, bem como o insistente oferecimento de filiação dos profissionais da psicanalise no chamado “Conselho Brasileiro de Psicanalise Clínica”, nós da Sociedade Psicanalitica Miesperanza, nos posicionamos da seguinte maneira:

A Psicanálise é uma teoria a respeito da personalidade humana que incorpora um conjunto de métodos destinado tanto à produção do conhecimento a respeito da personalidade, quanto à intervenção clínica com vista à cura de distúrbios. Enquanto corpo teórico, com seus pressupostos e explicações, tem sido divulgada e utilizada para fundamentar análises em várias áreas da atividade humana, como na interpretação da simbologia de textos literários. Enquanto instrumento de compreensão e intervenção clínica, constitui-se uma opção, dentre outras, para o diagnóstico e a assistência psicoterapêutica.

 

Existe um consenso na comunidade psicanalítica internacional a respeito das exigências implicadas para a formação de psicanalistas, que segue as recomendações e postulados freudianos e é constituída, necessariamente, sustentado-se em três pilares: a) o processo de análise pessoal do psicanalista; b) o conhecimento rigoroso dos fundamentos conceituais e teóricos da Psicanálise, ministrados através de seminários teóricos e clínicos acerca de autores contemporâneos e clássicos; e c) a atividade clínica exercida com supervisão de psicanalistas já formados e com larga experiência no campo.

Processo permanente e singular que implica na conquista de um saber – pelo psicanalista – sobre seu inconsciente, sua subjetividade e não um conhecimento constituído, cumulativo e totalizante gerado em instituições de ensino. Um processo que não tem atalhos e é pautado pela ética do respeito à alteridade e do cuidado com o sofrimento psíquico.

Esse consenso consolidou-se ao longo dos 130 anos de existência da Psicanálise, a despeito da diversidade de orientações teórico-clínicas que compõem o seu campo. Pressupõe-se a inviabilidade de formação de psicanalistas em cursos de graduação em moldes acadêmicos, dada a impossibilidade de neles integrar os três referidos componentes requeridos para essa formação. Disso decorre que a formação de psicanalistas tem sido objeto de discussão e cuidado pela comunidade psicanalítica, representada legitimamente pelas instituições que, pela seriedade e competência de sua atuação, têm o reconhecimento e aprovação da sociedade brasileira.

Nós entendemos que a via apropriada para a formação de psicanalistas continua sendo aquela promovida pelas instituições psicanalíticas que conquistaram o respaldo da sociedade pela sua atuação exemplar; e que "têm a responsabilidade social de formar psicanalistas competentes, conferir-lhes autonomia para o exercício de sua função, responsabilizando-os quanto à ética de seus atos."  Como pesquisadores avançados do campo da psicanálise e responsáveis pelo seu ensino em universidades – programas, núcleos, laboratórios e centros de pesquisa – distinguimos claramente a formação do psicanalista, tal como a caracterizamos acima e tal como levada a efeito pelas instituições psicanalíticas, das atividades de pesquisa que desenvolvemos no universo acadêmico. E é justamente esta nossa posição, em íntima conexão com as questões epistemológicas implicadas pela Psicanálise, que nos habilita a emitir um juízo cientificamente consistente sobre a impropriedade da proposta de um curso de bacharelado em psicanálise, que, além de constituir a celula mater do ensino de nível superior, nosso campo de trabalho, traz o agravante de conferir, pelo menos no nível formal, ao “bacharel” que assim vier a se formar, uma suposta e enganosa habilitação para exercer o ofício de psicanalista.

Concordamos com a nota de repúdio das Entidades Psicanalíticas Brasileiras que diz: “Por todo o exposto, consideramos as notícias recentes de oferta de curso de bacharelado em Psicanálise, uma grave ameaça à integridade subjetiva da população e um severo ataque ao campo da Psicanálise”.

Assim sendo, a titulação de Bacharel em Psicanálise está totalmente fora dos padrões da Psicanalise de Freud e Lacan. Como tal titulação não é possível, e se o modelo de aprendizado é incompatível com o modelo acadêmico brasileiro, deduzimos daí a impossibilidade da criação de um Conselho regulamentador, cabendo às SOCIEDADES DE PSICANÁLISE a normatização estatutária e fiscalização de seus filiados, entretanto não podendo abranger de forma irrestrita a totalidade de praticantes e pseudopraticantes de psicanálise. 

Todavia, surge recentemente, O “Conselho Brasileiro de Psicanálise Clínica” e segundo o site deste mesmo conselho: “O CBPC surgiu por uma necessidade de estabelecer diretrizes necessárias para capacitar, orientar, apoiar, defender os direitos e fiscalizar o exercício da profissão de psicanalista”.

Acerca disso, temos a orientação do Conselho Federal de Psicologia que diz: “A Psicanálise e a Psicoterapia não são profissões regulamentadas no Brasil e, desse modo, não possuem Conselho de Profissão para orientar, fiscalizar e disciplinar o seu exercício e acolher denúncias contra profissionais. Estas atuações profissionais são de livre exercício no Brasil, não sendo privativas/exclusivas de psicólogas/os. A instância de denúncia pela sociedade, nestes casos, é a justiça comum e as delegacias.”

No Brasil, a atividade psicanalítica não é regulamentada, ou seja, não possui curso de graduação reconhecido pelo MEC nem Conselho Regulamentador da Profissão.

Sobre isto o Conselho Federal de Medicina no Processo-Consulta CFM n° 4.048/97 deixa claro que: "A titulação médico-psicanalista não tem amparo legal, não sendo portanto permitida a sua utilização." mostrando assim que a Psicanálise é uma atividade totalmente distinta da Medicina.

Do mesmo modo que o Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo, em resposta ao Processo-Consulta n.º 13.518/90 informa que "O Conselho Regional de Medicina tem como atribuição a observância do Código de Ética Médica pelo médico no exercício da profissão, porém, a título de esclarecimento informamos ao consulente que a “psicanálise” é uma modalidade de tratamento psicológico usada por médico ou profissional de outra área, com formação psicanalítica, portanto, não sendo atribuição específica do médico."

Em resposta a Carta 39/00 de 30/06/2000 o Conselho Regional de Psicologia do Estado de São Paulo diz: "Em resposta a sua solicitação, informamos que: A Psicanálise é uma modalidade de atendimento terapêutico, que é exercida por profissionais psicólogos, psiquiatras e outros que recebem formação específica das Sociedades de Psicanálise ou cursos de especialização neste sentido. Como atividade autônoma não é profissão regulamentada. O Conselho Regional de Psicologia tem competência para fiscalizar o exercício profissional do psicólogo, incluindo-se no caso a prática da psicanálise. Se o profissional que se diz psicanalista não é psicólogo registrado no CRP-SP não temos competência para exercer a fiscalização. Caberia no caso, investigar junto à Sociedade de Psicanálise, qual o vínculo ou a formação do profissional referido."

Em 17/02/203, a Ministra Ellen Gracie, do Superior Tribunal Federal, negou o seguimento do Recurso Extraordinário interposto pelo chamado “Conselho Federal de Psicanálise do Brasil”. Com isso o referido Conselho foi impedido de praticar os atos consubstanciados em seu “Estatuto Social”, bem como, de utilizar o título de Conselho Federal, anulando todos os atos praticados pelo referido conselho, no exercício das atividades de fiscalização da profissão de psicanalista clínico.

Após todo exposto acima, fica claro que a atividade Profissional do Psicanalista, não só no Brasil, mas em praticamente todo o mundo, é uma atividade vinculada às Sociedades Psicanalíticas e sua formação passada "artesanalmente" pelas clássicas Escolas/Sociedades de Psicanálise.

A atividade do Psicanalista no Brasil, não é considerado uma profissão, mas uma ocupação. Porém esta ocupação foi reconhecida através da Portaria nº 397, de 09.10.2002 está Portaria é do Ministério do Trabalho e Emprego do Brasil.  Editado pelo Ministro Paulo Jobim Filho e vigora até hoje. Com a Portaria foi aprovado O CBO 2515-50, e classificou a atividade de Psicanalista/Analista em todo Brasil.

Consulte: www.metecbo.gov.br

Temos com base o CBO n° 2515-50, onde a ocupação psicanalítica não é uma especialização, mais sim uma formação que segue os princípios, processos e procedimentos bem definidos pelas sociedades que formam seus alunos.

Podendo o psicanalista ter diferentes formações em nível de 3° grau ou graduação compatível em diferentes áreas de atuação como engenheiros, médicos, filósofos, psicólogos, teólogos etc. 

Ainda dentro da legalidade da sua prática o profissional em psicanálise, conta com respaldo o Parecer do Conselho Federal de Medicina, Processo para consulta 4.048/97 de 11/07/1998, e também o Parecer 309/88 da Coordenadoria de Identificação Profissional do Ministério do Trabalho, o Parecer n° 159/2000 do Ministério Público Federal e da Procuradoria da República. 

Em matéria de Direito, o exercício da Psicanálise no Brasil é garantido pela Lei Máxima de nosso País, a Constituição Federal, que, em seu Título II, artigo 5º, incisos II e XIII, deixa claro que "ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei; e... é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer."

Importa salientar que o fato de a Psicanálise não possuir regulamentação não minimiza os rígidos padrões éticos e acadêmicos exigidos para a formação do Psicanalista, muito pelo contrário, um profissional para ser reconhecido como Psicanalista deve possuir não apenas vasto conhecimento teórico, técnico e prático do tema, adquirido em Escola ou Sociedade Psicanalítica idônea, como também e principalmente deve possuir boa formação e educação, conduta moral ilibada, caráter íntegro e atitudes éticas.

De modo que sua formação caracteriza-se por ser independente, de caráter livre e profissionalizante, sendo os seus profissionais formados por Sociedades Psicanalíticas e/ou Analistas Didatas.

Apesar de manter interfaces com várias profissões pela utilização de conhecimentos científicos e filosóficos comuns a diversas áreas do conhecimento, acaba sendo em algum momento tratada como área de especialização de alguns profissionais como por exemplo os Psicólogos, todavia não se limita a especialidade de nenhuma delas, constituindo-se em uma atividade autônoma e independente, podendo o profissional ser Psicanalista, mesmo não sendo Médico ou Psicólogo.

O papel desta Sociedade Psicanalitica Miesperanza é exatamente o de zelar pela qualidade da formação dos profissionais Psicanalistas no Brasil, reunindo em seu hall de membros aqueles que sejam dignos de serem chamados Psicanalistas.

Sendo assim, como regulamentar, como definir legislações e arranjos institucionais estatais e governamentais para enquadrar algo tão complexo, sensível e singular como a formação e o exercício da psicanálise? Como lidar com o incremento acentuado da oferta de cursos de psicanálise de matizes religiosos e outros que não seguem os parâmetros da formação de psicanalistas pautados pela ética psicanalítica e pela seriedade na constituição no clássico tripé formativo (análise pessoal, supervisão e seminários teóricos e clínicos)? 

A SOCIEDADE PSICANALITICA MIESPERANZA se solidariza com dezenas de entidades psicanalíticas, de variados matizes teóricos, e tem como objetivo debater e atuar sobre iniciativas, no Congresso Nacional e fora dele, com a finalidade de promover a regulamentação do nosso ofício, com argumentos pautados pelos postulados freudianos e os  princípios que norteiam a formação de psicanalistas e o exercício da psicanálise.

Piuma, ES, 01 de fevereiro de 2023

Dr. Jorge Luiz dos Santos Nascimento

Psicólogo e Psicanalista, Presidente da Comissão de Ética da SPM

Psic. Matheus Soares Scaramussa

Psicólogo e Psicanalista, Secretário Executivo da SPM

Dr. Zilmar Ferreira Freitas

Psicanalista, Presidente da Sociedade Psicanalítica Miesperanza

DEMAIS MEMBROS DA COMISSÃO DE ETICA