Esclarecimento à sociedade e aos psicanalistas da SPM e outros em geral, sobre Psicanálise e religiosidade no exercício profissional.

Nota Pública da Sociedade Psicanalítica Miesperanza de esclarecimento à sociedade e aos psicanalistas da SPM e outros em geral, sobre Psicanálise e religiosidade no exercício profissional.

Comissão de Etica da SPM

12/28/20236 min read

Devido ao grande abuso que temos visto através de denúncias das mais variadas, concernentes a profissionais que usam o nome da psicanálise para dentro do gabinete de atendimento fazer exorcismos, orações de libertação, rezas fortes, correntes de sete dias, unção com óleo, estudos bíblicos, jornadas de orações, sessões de profecias, aconselhamentos no lugar de terapia, e vai por aí afora... Muitos destes absurdos ficam divulgados na mídia e nas redes sociais.

Por outro lado, vemos também uma grande resistência de muitos desses ditos profissionais, em entender a relação entre religiosidade e exercício profissional do psicanalista, deturpando assim a imagem da PSICANÁLISE e das instituições psicanalíticas sérias e comprometidas com o legado de Freud e Lacan, bem como seus sucessores.

Ressaltamos o direito inalienável que todo cidadão goza de professar sua fé em qualquer doutrina que assim desejar, direito esse presente na Constituição de 1988 e que também afirma que o estado é laico e, com isso, é “obrigação das instituições [...] pautar suas ações pela garantia dos direitos constitucionais”. (VERONA, 2014)

Mediante a essa problemática, no que concerne a união errônea da Psicanálise com técnicas religioso-místico-esotéricas, a diretoria da Sociedade Psicanalítica Miesperanza tem responsabilidade de esclarecer a todos o que segue.

Não existe oposição entre Psicanálise e religiosidade, pelo contrário, a Psicanálise é uma ciência que reconhece que a religiosidade e a fé estão presentes na cultura e participam na constituição da dimensão subjetiva de cada um de nós. A relação dos indivíduos com o “sagrado” pode ser analisada pelo psicanalista, nunca imposto pelo mesmo às pessoas com os quais trabalha, assim como afirma o código de ética da Sociedade Psicanalítica Miesperanza, no Artigo 8, que trata das responsabilidades do psicanalista, encontraremos o seguinte:

Se professar alguma religião ou seguir determinada ideologia, que o faça de modo educado, pacífico e polido, e que tenha claro que há o local apropriado para professar sua fé, e em hipótese alguma deve persuadir em consultório seus pacientes a seguir a religião/ideologia por ele praticada. (CÓDIGO DE ÉTICA SOCIEDADE PSICANALÍTICA MIESPERANZA, 2010).

Assim, afirmamos o respeito às diferenças e às liberdades de expressão de todas as formas de religiosidade conforme garantidas na Constituição de 1988 e, justamente no intuito de valorizar a democracia e promover os direitos dos cidadãos à livre expressão da sua religiosidade, é que a Ética do Profissional Psicanalista orienta que os serviços de Psicoterapia de bases Psicanalítica devem ser realizados com base em técnicas fundamentados na ciência da psicanálise e não em preceitos religiosos ou quaisquer outros alheios a esta profissão (ofício). Caso contrario, o profissional cairá num sofisma que ferirá sua ética profissional e, além disso, o direito constitucional do cliente em questão, situação essa repudiada pela Sociedade Psicanalítica Miesperanza, que se pauta nos ditames da ética inerente a instituição, ao Estado Democrático de Direito e a Psicanálise.

Em primeiro lugar:

São deveres fundamentais dos psicanalistas - Prestar serviços de atendimento psicoterapêuticos de bases psicanalíticas e de qualidade, em condições de trabalho dignas e apropriadas à natureza desses serviços, utilizando princípios, conhecimentos e técnicas reconhecidamente fundamentados na ciência da psicanalise (Legado de Freud), na ética e na legislação profissional;

Se os psicanalistas exercerem a profissão declarando suas crenças religiosas e as impondo ao seu público estarão desrespeitando e ferindo o direito constitucional de liberdade de consciência e de crença.

O Código de Ética da Psicanálise cita nos dois primeiros princípios fundamentais a necessidade de respeito à liberdade e a eliminação de quaisquer formas de discriminação, e no artigo 2º veda ao psicanalista a indução não só de convicções religiosas, mas também de convicções filosóficas, morais, ideológicas e de orientação sexual, compreendendo a delicadeza e complexidade que o tema merece:

Princípios Fundamentais

I. O psicanalista baseará o seu trabalho no respeito e na promoção da liberdade, da dignidade, da igualdade e da integridade do ser humano, apoiado nos valores que embasam a Declaração Universal dos Direitos Humanos.

II. O psicanalista trabalhará visando promover a saúde e a qualidade de vida das pessoas e das coletividades e contribuirá para a eliminação de quaisquer formas de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.

Em segundo Lugar:

O art. 9 do Código de Ética do Psicanalista da Sociedade Psicanalítica Miesperanza diz que ao psicanalista é vedado - Induzir a convicções políticas, filosóficas, morais, ideológicas, religiosas, de orientação sexual ou a qualquer tipo de preconceito, quando do exercício de suas funções profissionais;

Esse Código de conduta ética foi construído a partir de múltiplos espaços de discussão sobre a ética da profissão, suas responsabilidades e compromissos com a promoção da cidadania. As Sociedades Psicanalíticas sérias tem se debruçado ao longo de anos, em várias partes do mundo, para definir um código de conduta ética compatível com o legado deixado por Freud.

Seu objetivo primordial é garantir que haja um mecanismo de proteção à sociedade e à profissão, no intuito de garantir o respeito às diferenças, aos direitos humanos e a afirmação dos princípios democráticos e constitucionais de um Estado laico.

Cumprindo seu papel, as sociedades psicanalíticas, em especial a Sociedade Psicanalítica Miesperanza tem o dever de zelar pela fiel observância dos princípios de ética e disciplina da classe, para os casos de não observância destes preceitos, os nossos escritórios regionais estão recebendo e encaminham a COMISSÃO DE ÉTICA PROFISSIONAL, para que a mesma venha a apurar as denúncias que chegam sobre o exercício profissional de psicanalistas a ela filiados. Um processo é instaurado e a comissão se debruça incansavelmente para resolver a questão e tomar as providências cabíveis.

Qualquer cidadão pode oferecer denúncia contra o exercício profissional do psicanalista filiado ao Miesperanza, visto ser seu direito constitucional. Assim, as ações de orientação e fiscalização promovidas pela Sociedade Psicanalítica serão legítimas e não podem ser tomadas como perseguições ou cassações a qualquer direito. Todos os profissionais que exercem suas funções reconhecidas pelo Estado Democrático de Direito estão submetidos às legislações e Códigos de Ética dos seus respectivos representações (conselhos e sindicatos ou sociedades psicanalíticas) e, portanto, têm o dever de pautar sua atuação profissional nas legislações que disciplinam o exercício de sua profissão.

A Psicanálise como ciência e profissão (ofício) pertence à sociedade tendo teorias, técnicas e metodologias pesquisadas, reconhecidas e validadas por instâncias oficiais do campo da pesquisa e da regulação pública que validam o conjunto de formulações do interesse da sociedade. Os princípios e conceitos que sustentam as práticas religiosas são de ordem teológica de cada linha religiosa, e pessoal e da esfera privada, e não estão regulamentadas como atribuições da Psicanalise como ciência e profissão.

Uma formação acadêmica bem qualificada, submissão à análise e processos de supervisão e intervirão são bons antídotos contra a mistura que muitos fazem nefastamente entre RELIGIÃO E PSICANÁLISE (CIÊNCIA). Profissionais oriundos de grupos religiosos podem cair na tentação de transformar o divã em púlpito, o consultório em centro religioso-místico-esotérico.

Assim como o médico não fará medicina com água benta e exorcismo, o psicanalista tratará das questões que são apresentadas dentro do marco epistemológico das ciências psi. No mercado de terapias não oficiais e da literatura de autoajuda tem-se uma grande oferta de recursos mágico-religiosos que misturam conceitos extraídos do campo psicológico com citações de filósofos e místicos ou trechos bíblicos.

Quando um psicanalista assume a persona de um pastor, guru ou místico, revela sua má formação e desvio de campo epistêmico. Assim fica mais suscetível de incorrer em abuso de poder, manipulação emocional e proselitismo. Poderá agravar o sofrimento psíquico das pessoas, além de fazê-las perder tempo, dinheiro e esperança. Haverá prejuízo para os pacientes tanto se a psicoterapia for sujeitada a uma visão religiosa quanto se ela ignorar ou se considerar como 'ultrapassado' qualquer conteúdo religioso que venha do paciente.

Finalizamos esse posicionamento declarando que a Sociedade Psicanalítica Miesperanza iniciará uma série de atividades de debate sobre a relação entre Psicanálise e religiosidade, com vistas a contribuir com o debate público da categoria e da sociedade frente a esse tema, objetivando explicitar que não somos contrários a que os profissionais tenham suas crenças religiosas e sim que devemos zelar para que estes não utilizem suas crenças, de qualquer ordem, como ferramenta de atuação profissional.

REFERÊNCIAS

CÓDIGO DE ÉTICA SOCIEDADE PSICANALÍTICA MIESPERANZA. 2010.

VERONA, Humberto Cota. Psicologia, Religião, Espiritualidade e Laicidade. 2014. Disponível em < http://www.meel.org.br/>, Acesso em 12 de setembro de 2016.

Piuma, ES, 01 de fevereiro de 2023

Dr. Jorge Luiz dos Santos Nascimento

Psicólogo e Psicanalista, Presidente da Comissão de Ética da SPM

Psic. Matheus Soares Scaramussa

Psicólogo e Psicanalista, Secretário Executivo da SPM

Dr. Zilmar Ferreira Freitas

Psicanalista, Presidente da Sociedade Psicanalítica Miesperanza

DEMAIS MEMBROS DA COMISSÃO DE ETICA